6/11/2006

Grupo 4

Intervenção em Não-lugares
1. Introdução
A exemplo de anos anteriores, aos alunos do 2º ano dos Cursos de Pintura do ano lectivo de 2005/06, levados a cabo na SNBA, foi proposto a realização de um trabalho final a realizar como tarefa de grupo. Para tal, foram organizados sete grupos, sendo o Grupo 4 composto pelos seguintes elementos:

o Ana Guerreiro
o Israel Cohen
o José Manuel Martins
o Luísa Cabrita
o Manuela Carreiro
o Marta Videira
o Victor Alexandre

2. Condicionantes

Os projectos de intervenção a propor, orientados para as instalações da SNBA, estão limitados pela impossibilidade de afectar a funcionalidade actual dos espaços objecto, bem como a sua presente estrutura arquitectónica.

Por outra lado, deverão remeter-se, em termos de localização concreta, às zonas que, mais acentuadamente, se caracterizem como indo ao encontro do conceito de “não-lugares”, de acordo com o pensamento do antropólogo Marc Augé, desenvolvido na “Introdução a uma Antropologia da Supermodernidade”.
3. Local de intervenção

Os locais de intervenção que se propõem são as portas das duas instalações sanitárias, situadas à esquerda (masculina) e à direita (feminina), passando do Hall para o salão de exposições principal, e na passagem para o piso inferior.




4. Descrição sumária da intervenção que se propõe

Em cada uma das portas, na sua parte superior, a alturas consideradas médias em termos do plano de visão, seria fixado, com bi-adesivo, um espelho triangular, sendo o da casa de banho feminina com um dos vértices virado para baixo e o da casa de banho masculina com um dos vértices virados para cima, sendo os dois espelhos iguais, isto é, com a mesma área.

Adicionalmente, em cada um dos espelhos seriam apostas horizontalmente, na parte mais larga, na parte superior no lado feminino e na parte inferior no lado masculino, uma frase em cada um deles. A concretização dessas frases encontra-se ainda em fase de proposta e discussão no seio do grupo de trabalho.
5.Fundamentos

Uma casa de banho pública é por excelência um não-lugar - espaço descaracterizado e despersonalizado, frequentado por seres anónimos – produto da contemporaneidade, sendo o contraponto extremo do lugar identitário, sendo por outro lado, um espaço onde avulta o factor isolamento. De modo geral, através dos não-lugares descortina-se um mundo provisório e efémero, comprometido com o transitório e a solidão, neste caso bem expressos.

O espelho é o produto acabado do objecto identitário por excelência, que introduz , por um lado, um factor decisivo de ruptura com os contíguos não-lugares, e por outro, uma interrogação, um mistério, que leva a inquirir ou questionar se não haverá algo do outro lado do mesmo.

Por outras palavras, a introdução do elemento espelho, justaposto à porta, produz uma ruptura momentânea com a referida despersonalização, conferindo a cada um que se olha uma identidade.

Um outro ponto de vista interessante é a desagregação das duas instalações em função do sexo, representando uma circunstância extrema e bem clara de especialização funcional e de convenção social que se aceita sem pensar nem reflectir, enquadrável no tema mais abrangente das relações entre os sexos opostos. Neste domínio, a posição dos espelhos, com o vértice para baixo e para cima, procura simbolizar a divisão dos espaços por géneros, respectivamente feminino e masculino.

A reflexão sobre o espelho é igualmente uma reflexão sobre o eu, num tempo em que, segundo Marc Augé, tudo é aceleração, no espaço, no tempo e no que se refere ao “eu”, que neste último aspecto se consubstancia num excesso de referências individuais. Assim, cada indivíduo "quer ser um mundo ele mesmo".

O espelho introduz, por um lado, uma ruptura com os não-lugares circudantes, mas por outro, uma paragem momentânea que conduz a uma certa introspecção, ou observação do “eu”.

6. Notas sobre a aceleração do “eu”

Ainda com base no pensamento de Marc Augé, tal como expresso nas suas intervenções e trabalhos, desenvolve-se um pouco mais a problemática da aceleração do eu, ou do excesso de referências individuais, que associada à aceleração no espaço e no tempo, consubstancia o conceito de sobremodernidade (ou supermodernidade?).

Assim, o status de sobremodernidade instalado, é caracterizado, i.a. pela superabundância de imagens, informações e sugestões, "servidas" sob a forma de "puzzle", expostas como que em enormes montras de imensas superfícies de consumo.

Se por um lado, e como mecanismo elementar de preservação do ego, tendem a levar ao esquecimento, por outro, dão a possibilidade de que cada um se "sirva" como lhe aprouver, ou como for capaz, reúna peças, as mais variadas, as encaixe ou tente encaixar umas nas outras, deixando ao critério puramente individual a elaboração de pontos de vista, de opiniões que embora subliminarmente induzidas, serão percebidas como pessoais.

Em muitos casos criam-se formas de efabulação, confabulação ou de ilusão que podem levar à individualização excessiva, à solidão, ou até ao isolamento absoluto e auto-exclusão, à recusa pura e simples do cara-a-cara ou do corpo-a-corpo.

Nestes casos dir-se-á que o estado patológico encontrou o seu habitat privilegiado, o seu meio de cultura favorito. Instalou-se o simulacro, a ficção substituiu a realidade, passou a não existir outra realidade que não a imagem.

"Tal como és, assim vês" - causa e efeito- o paradigma de um universo individual de degeneração e repúdio da realidade e abrigo na ficção pura - a criação e oferta, a quem queira, a título definitivo, da não-história individual.

A enorme aceleração dos ritmos impostos aos seres humanos nas duas a três décadas últimas, tão característica da sobremodernidade, causa, naturalmente, disfunções sociais, colectiva e individualmente.

O excesso de informação e de imagens, de solicitações visuais, auditivas e de uma maneira geral de todos os sentidos, a aceleração do tempo, a multiplicação e o aumento em superfície dos espaços anónimos e a proporcional redução dos espaços identitários geram uma óbvia falta de tempo de digestão.

A ocorrência da instalação mais ou menos rápida de sinais e sintomas de saturação e fadiga mental e física - irritabilidade, ansiedade e frustração, medo incontrolado ou até estados de pânico extremos, é inevitável.

A tendência será para o tratamento químico, aparentemente prático e fácil, com moléculas (ansiolíticos ou tranquilizantes, anti-depressivos ou outros) que pretendem actuar como "filtros" em relação a essa multiplicidade de potentes estímulos extremos.

Não raramente, com consequências mais graves, buscar-se-ão de maneira mais ou menos clandestina, outros tipos de "ajuda" química, de efeitos muito variados, mas sempre bem mais perniciosos e deletérios, pela provocação, a curto prazo, de elevados graus de dependência física e psicológica.
De qualquer modo, as verdadeiras causas permanecerão, ou aprofundar-se-ão, justamente porque a exposição continua a ser imediata e permanente, e as consequências facilmente previsíveis - aumento da solidão, do isolamento e da exclusão por um lado, grave morbilidade orgânica, por outro.

Paradoxalmente, uma pequena pitada de medo, bem doseada, situada justamente antes da "vertigem" é saudável e funciona como profilaxia dessa desmesurada aceleração do eu.

Só aqueles que não se dão tempo para pensar saudavelmente em si, nos que o rodeiam de maneira próxima e nos outros, são desprovidos de medo.

Todo o homem decente tem medo!

"Sou um homem decente. Tenho medo."
José Martí

06/06/2006
6. Memória descritiva

Em preparação.